Por Aurora Miho Yanai, Paulo Maurício Lima de Alencastro Graça, Leonardo Guimarães Ziccardi, Maria Isabel Sobral Escada e Philip Martin Fearnside
Embora a principal mudança da floresta tropical na Amazônia brasileira seja para pecuária [1], as taxas e padrões de desmatamento têm mostrado alta variabilidade espaço-temporal na história recente da região e entre os tipos de fronteira (fronteiras antigas versus novas fronteiras), especialmente porque a ocupação da terra e o desmatamento reflete as ações de diferentes tipos de atores [2-5].
Devido à complexidade e incertezas da posse da terra na Amazônia brasileira, ainda temos lacunas que precisam ser mais bem compreendidas, como identificar os principais atores que reivindicam terras nas fronteiras do desmatamento, a forma que esses atores desmatam, como eles estão distribuídos espacialmente e como contribuem para a expansão da fronteira do desmatamento.
Os estudos mais recentes sobre esses temas foram feitos em projetos de assentamento, onde a distribuição fundiária e o processo de ocupação são diferentes daqueles em terras públicas não destinadas [6, 7]. Aqui focamos nos imóveis rurais de diferentes tamanhos ocupados espontaneamente ao longo da rodovia Transamazônica e ao longo de estradas endógenas ilegais ligadas à rodovia. Posseiros e grileiros são os principais atores que ocupam esses imóveis rurais.
Essa ocupação é caracterizada por um padrão desordenado que é diferente da ocupação de áreas de projetos de assentamento, que são áreas de colonização coordenadas pelo governo onde a terra é dividida em lotes de tamanho uniforme (por exemplo, 100 ha) e o desmatamento tem um padrão de espinha-de-peixe.
Avaliamos a dinâmica do desmatamento até 2018 em imóveis rurais de diferentes tamanhos localizados em uma nova fronteira de desmatamento onde o baixo preço da terra e o fluxo de pecuaristas interessados em comprar terras tornam a área muito atrativa para a especulação fundiária em comparação a outras partes da Amazônia onde o desmatamento já está mais consolidado.
Utilizamos o caso do Distrito de Santo Antônio do Matupi (doravante “Distrito de Matupi”) no sul do Amazonas para investigar os padrões resultantes desses processos. A área de terras públicas não destinadas na Amazônia brasileira totaliza pelo menos 498.000 km 2 [8], embora o total possa ser maior: Almeida et al. [9] identificaram 582.899 km 2 apenas no estado do Amazonas, ou 37,5% do estado.
Essas áreas são aproximadamente do tamanho da França, enquanto a área da Amazônia brasileira é aproximadamente a da Europa Ocidental. Nossa área de estudo representa um indício de tendências prováveis se a invasão e o desmatamento de terras públicas continuarem nessas vastas áreas de terras públicas não destinadas. Estradas planejadas para conectar a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) abririam o maior bloco de terras públicas não destinadas do Amazonas para a entrada de grileiros e outros atores [10].
Nós focamos em responder às perguntas: (i) Como a taxa de desmatamento e a porcentagem de floresta remanescente variam de acordo com o tamanho do imóvel rural? (ii) O tamanho das manchas de desmatamento nos imóveis rurais mudou ao longo dos anos? (iii) Como os imóveis rurais estão distribuídos espacialmente em relação à estrada principal (ou seja, a rodovia Transamazônica) e entre as diferentes categorias de terras (terras públicas não destinadas, áreas protegidas e assentamento agroextrativista)?
A forma como os ocupantes usam a terra tem um efeito substancial na quantidade de floresta disponível para desmatar ao longo do tempo [11, 12]. Esse tipo de estudo pode contribuir para o aprimoramento de políticas destinadas a inibir a expansão de focos de ocupação e perda florestal na Amazônia brasileira. Embora o Distrito de Matupi tenha características locais, os mecanismos e estratégias de ocupação em terras públicas, regularização fundiária, e expansão de pasto e produção de gado são semelhantes em novas fronteiras de desmatamento em outras partes da Amazônia brasileira [13-15]. Nosso estudo, portanto, contribui para a discussão da expansão da fronteira na região como um todo. [16]
A imagem que abre este artigo é de autoria de Marcio Isensee e Sá (O Eco) e mostra a estrada e o pátio de madereira no distrito de Santo Antônio do Matupi (AM).
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2022. Desmatamento na Amazônia brasileira: História, índices e consequências. p. 7-19. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica. Editora do INPA, Manaus. 356 p.
[2] Fearnside, P.M. 2008. The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia. Ecology and Society 13: art. 23.
[3] Fearnside, P.M. 2020. O Desmatamento da Amazônia Brasileira. Amazônia Real
[4] Schielein, J.; Börner, J. 2018. Recent transformations of land-use and land-cover dynamics across different deforestation frontiers in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 76: 81–94.
[5] Strand, J.; Soares-Filho, B.; Costa, M.H.; Oliveira, U.; Ribeiro, S.C. et al. 2018. Spatially explicit valuation of the Brazilian Amazon forest’s ecosystem services. Nature Sustainability 1: 657-664.
[6] Carrero, G.C.; Fearnside, P.M.; do Valle, D.R.; Alves, C.S. 2020. Deforestation trajectories on a development frontier in the Brazilian Amazon: 35 years of settlement colonization, policy and economic shifts, and land accumulation. Environmental Management 66: 966–984.
[7] Yanai, A.M.; Graça, P.M.L.A.; Escada, M.I.S.; Ziccardi, L.G.; Fearnside, P.M. 2020. Deforestation dynamics in Brazil’s Amazonian settlements: Effects of land-tenure concentration. Journal of Environmental Management 268: art. 110555.
[8] Azevedo-Ramos, C.; Moutinho, P.; Arruda, V.L.S.; Stabile, C.C.; Alencar, A. et al. 2020. Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99: art. 104863.
[9] Almeida, J.; Brito, B.; Gomes, P.; Andrade, R.A. 2021. Leis e práticas de regularização fundiária no Estado do Amazonas. Imazon, Belém, PA.
[10] Fearnside, P.M.; Ferrante, L.; Yanai, A.M.; Isaac Júnior, M.A. 2020. Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.
[11] D’Antona, Á.O.; VanWey, L.K.; Hayashi, C.M. 2006. Property size and land cover change in the Brazilian Amazon. Population and Environment 27: 373-396.
[12] Michalski, F.; Metzger, J.P.; Peres, C.A. 2010. Rural property size drives patterns of upland and riparian forest retention in a tropical deforestation frontier. Global Environmental Change 20: 705-712.
[13] Hecht, S.; Abers, R.; Assad. E.; Bebbington, D.H.; Brondizio, E. et al. 2021. Amazon in motion: Changing politics, development strategies, peoples, landscapes, and livelihoods. Chapter 14 In: C. Nobre & A. Encalada (eds.) Amazon Assessment Report 2021. Science Panel for the Amazon (SPA). United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, EUA.
[14] Costa, F.A.; Schmink, M.; Hecht, S.; McGrath, D.; Bebbington, D.H. et al. 2021. Complex, diverse and changing agribusiness and livelihood systems in the Amazon. Chapter 15 In: C Nobre & A. Encalada (eds.) Amazon Assessment Report 2021. Science Panel for the Amazon (SPA). United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, EUA.
[15] Costa, F.A.; Schmink, M.; Hecht, S.; McGrath, D.;Bebbington, D.H. et al. 2021. Complex, diverse and changing agribusiness and livelihood systems in the Amazon. Chapter 15 In: C Nobre & A. Encalada (eds.) Amazon Assessment Report 2021. Science Panel for the Amazon (SPA). United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, EUA.
[16] Este texto é uma tradução parcial de Yanai, A.M.; Graça, P.M.L.A.; Ziccardi, L.G.; Escada. M.I.S.; Fearnside. P.M. 2022. Brazil’s Amazonian deforestation: The role of landholdings in undesignated public lands. Regional Environmental Change 22: art. 30.
Fonte: Amazônia Real